Precisamos falar sobre a boiada das ferrovias

Passadas as eleições, muitos assuntos de interesse da pátria voltam a ser discutidos, mas nem sempre com a atenção devida. Alguns políticos e autoridades aproveitam esse período para tentar emplacar projetos que só atendem a interesses de poucos.

O novo marco regulatório das ferrovias, PL 261/18, é um exemplo típico dessa situação. Trata-se de um tema que deve ser amplamente discutido com a sociedade, mas que, se depender do Congresso, entrará em pauta com brevidade, ainda este ano, antes do recesso parlamentar. O risco de “passar a boiada” das ferrovias com esse açodamento é grande.

Enquanto isso, já se fala, por exemplo, na renovação antecipada e imediata de trechos importantes de nosso sistema ferroviário, como a Malha Sul, onde os programas de investimento da atual concessionária foram muito aquém do estabelecido em contrato. Quase metade dos trilhos continua sem tráfego e dos 4175 km que estão em operação, apenas 9% se apresenta em bom estado. E nada foi feito para melhorar esse quadro na última década, apesar das inúmeras notificações que a concessionária recebeu ao longo desse período.

Renovar o que nunca funcionou assim, com tanta celeridade? Já ouvimos o mugido da boiada se aproximando.

Além de justas outorgas e claras diretrizes para aportes de investimentos privados, precisamos ter com o novo marco legal das ferrovias a sinalização de um projeto nacional de integração com base na malha ferroviária, de forma que ela seja recuperada para o uso de passageiros. Assim, uma das maiores preocupações da Ferrofrente nos últimos dois anos foi ressaltar junto às autoridades e à sociedade o princípio de que o direito de passagem seja respeitado.

O descumprimento de determinações da Justiça tem sido frequente nos últimos anos. Concessionárias se apoderam dos trilhos e só promovem melhorias que são de seus próprios interesses, muitas vezes focadas apenas em um único negócio: transporte de grãos ou de minérios. Não há a preocupação de se adequar os trechos concessionados para outros tipos de carga, muito menos para o transporte de passageiros. É uma ferrovia para poucos!

O texto do novo marco legal precisa contemplar de forma cristalina o direito de passagem, para que não tenhamos enorme prejuízo com a concessão de nossas ferrovias nas próximas décadas. Precisa assegurar que todos, indistintamente, possam fazer uso delas.

José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela volta das Ferrovias).

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